O problema do superendividamento

Daniela Vasconcellos Gomes (OAB/RS 58.090)

A expressão “compre agora, pague depois” é cada vez mais comum na publicidade de produtos e serviços colocados à disposição no mercado de consumo. No entanto, a facilitação do crédito e a infinidade de necessidades criadas a todo o tempo nos consumidores representam alguns dos fatores que levam ao superendividamento – problema que cresce a cada dia e que atinge grande parte da população brasileira.

Por ser uma questão complexa, o superendividamento não possui uma única causa, podendo ser ocasionado por diversos fatores, muitas vezes combinados entre si, tais como a má administração dos próprios recursos, o desejo de viver em um padrão de vida mais elevado, a facilitação de acesso ao crédito, a imputação de altos juros que sobrelevam o valor da dívida principal, fatos supervenientes alheios a vontade do consumidor, entre outros.

Nesse sentido, a situação de superendividamento pode ser considerada ativa ou passiva. O superendividamento é ativo quando o consumidor, ainda que não tenha agido de má-fé, colaborou para chegar nessa situação, seja por falha de planejamento financeiro, seja por acúmulo excessivo de débitos em relação aos seus rendimentos. Já o superendividamento passivo é causado por fatores alheios a vontade do consumidor – tais como desemprego, doença grave na família, acidentes, etc. – que o impossibilitam de cumprir com suas obrigações.

Apesar das inúmeras causas possíveis para a ocorrência do superendividamento, o descontrole financeiro aliado ao desejo de consumir desordenadamente parece ser um dos elementos-chave desse problema social que vem atingindo um número cada vez maior de famílias brasileiras.

Assim, o superendividamento parece estar estreitamente ligado à facilitação do crédito, que se tornou mais acessível (mas não menos caro) para grande parte da população – especialmente para as classes menos favorecidas e com menor grau de instrução, e, consequentemente, com maior necessidade de informação para poder consumir de forma consciente.

Não que o problema do superendividamento ocorra somente nas classes mais baixas, já que se trata de um fenômeno presente em todos os tipos de situação socioeconômica, e independentemente da educação formal do consumidor superendividado, mas as classes mais baixas não possuíam tanto acesso ao crédito como têm hoje em dia, de modo que parece haver maior despreparado nesses casos, em que a oferta de crédito pode ser considerada uma novidade – diferentemente das classes mais altas, que sempre tiveram maior acesso ao crédito, pela maior facilidade de comprovar renda para adimplir a operação de crédito realizada, ou mesmo por possuir bens para oferecer em garantia do cumprimento da obrigação.

De modo que, para o enfrentamento do superendividamento, resultado da sociedade contemporânea, em que o consumo é valorizado acima de tudo, é necessário que sejam desenvolvidas medidas em prol da educação para o consumo e da educação financeira, de modo a proporcionar um consumo mais consciente e com a utilização racional do orçamento familiar.

A maioria dos autores que trata do assunto superendividamento defende a necessidade de uma legislação protetiva para o consumidor endividado, a exemplo do que ocorre em outros países, tais como Dinamarca, França, Alemanha, Bélgica, Estados Unidos, entre outros países que possuem leis sobre a matéria.

No entanto, ainda que o superendividamento também seja um problema jurídico, ele possui caráter evidentemente social, de modo que não basta que a matéria seja regulada por leis específicas, pois a mera imposição legislativa não será suficiente para evitar a sua ocorrência. Isso porque a criação de uma legislação específica abordará como lidar com o problema depois de sua configuração, mas não conseguirá evitá-lo, o que somente será possível com uma mudança de comportamento, com uma retomada de valores, em detrimento do atual consumo desenfreado, característico da sociedade de consumo contemporânea.

De modo que se torna imprescindível o incentivo de práticas que visem à educação para o consumo, de forma a proporcionar maior informação dos consumidores, para que estes possam fazer suas escolhas de forma mais livre e consciente.

 

Publicado originalmente em: Jornal Informante (Farroupilha – RS), v. 187, set. 2011.

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