Sobre o dano moral no Direito do Trabalho – Parte II

Daniela Vasconcellos Gomes (OAB/RS 58.090)

Com o advento da Lei 13.467/2017, a CLT passou a contemplar em título próprio, diversos artigos com disposições sobre a reparação de danos extrapatrimoniais ocorridos nas relações de trabalho, com a inclusão do artigo 223-A ao artigo 223-G da Consolidação das Leis do Trabalho.

Dentre os temas mais polêmicos, está a inclusão do artigo 223-G da CLT, que estabeleceu parâmetros para a fixação do valor das indenizações por danos extrapatrimoniais ocorridos no ambiente de trabalho.

O artigo 223-G da CLT elenca em seus incisos as condições que o juiz deve levar em consideração ao apreciar um pedido de indenização por danos extrapatrimoniais: a natureza do bem jurídico tutelado, a intensidade do sofrimento ou da humilhação, a possibilidade de superação física ou psicológica, os reflexos pessoais e sociais da ação ou da omissão, a extensão e a duração dos efeitos da ofensa, as condições em que ocorreu a ofensa ou o prejuízo moral, o grau de dolo ou culpa,  a ocorrência de retratação espontânea, o esforço efetivo para minimizar a ofensa, o perdão, tácito ou expresso, a situação social e econômica das partes envolvidas, e o grau de publicidade da ofensa.

Tais condições elencadas nos incisos do artigo 223-G da CLT, que devem ser consideradas pelo magistrado na apreciação do pedido de indenização, estão relacionadas à formação do juízo de equidade, que sempre esteve relacionada a critérios como imparcialidade, isenção, sensatez ou equanimidade.

No entanto, o artigo 223-G da CLT não inclui apenas os critérios de formação do juízo de equidade, mas pretendeu impor o sistema tarifado para valoração da indenização por danos morais ocorridos nas relações de trabalho.

O critério de tarifação foi incluído pelo §1º do artigo 223-G da CLT da seguinte forma: “Art. 223-G. Ao apreciar o pedido, o juízo considerará: [...] §1º Se julgar procedente o pedido, o juízo fixará a indenização a ser paga, a cada um dos ofendidos, em um dos seguintes parâmetros, vedada a acumulação: I – ofensa de natureza leve, até três vezes o último salário contratual do ofendido; II – ofensa de natureza média, até cinco vezes o último salário contratual do ofendido; III – ofensa de natureza grave, até vinte vezes o último salário contratual do ofendido; IV – ofensa de natureza gravíssima, até cinquenta vezes o último salário contratual do ofendido.”

No entanto, a tarifação na fixação dos danos extrapatrimoniais imposta pelos parâmetros trazidos pelo §1º do artigo 223-G da CLT gera diversas discussões sobre a constitucionalidade de tais normas, não apenas pela impossibilidade de uma norma infraconstitucional tentar limitar uma norma constitucional (artigo 5º, V e X da CF), como também pelos baixos parâmetros estabelecidos, que além de baixos, fixam somente os valores máximos, mas não preveem valores mínimos, além de ferir o princípio da isonomia, previsto no inciso IV do artigo 3º, e no caput do artigo 5º da Constituição Federal, ao impor distinção injustificada entre as pessoas, que devem ser igualmente protegias, independentemente da posição social e/ou econômica do ofendido.

Os defensores do critério de tabelamento no arbitramento do quantum indenizatório alegam que não se trata de afirmar que a dor do menos favorecido vale menos que a do mais afortunado, mas de garantir que a indenização seja suficiente para compensar o lesado, pois sem considerar a situação econômica do lesado seria mais difícil garantir que o valor seja dimensionado de forma a representar o equilíbrio entre o dano e a sua indenização.

Assim, os defensores do tabelamento de valores alegam ainda que o estabelecimento de parâmetros mais determinados na fixação da indenização por dano moral traria maior segurança jurídica, por trazer maior previsibilidade acerca dos valores possivelmente arbitrados. Essa previsibilidade seria uma forma de assegurar que não haja eventuais excessos na fixação dos valores das indenizações, mas não se trata de argumento válido diante do sistema recursal existente.

No direito comparado, os critérios de valoração do quantum indenizatório seguem dois modelos. Em um modelo, adotado por países como França, Finlândia e Espanha em alguns casos, não há previsão legal de critérios objetivos de fixação de valor, cabendo ao julgador arbitrar o valor, como ocorria no Brasil. Enquanto no modelo adotado por países como EUA, Irlanda, Portugal e Espanha em alguns casos, a lei prevê critérios objetivos para fixação do valor da indenização.

No Brasil, com o advento da Lei 13.467/2017, mais conhecida como reforma trabalhista, o legislador incluiu o modelo tarifado de indenização do dano moral, definindo critérios que devem ser seguidos pelos magistrados, mas é preciso questionar se os parâmetros estabelecidos são corretos e/ou suficientes para compensar os danos e também para punir o ofensor, para que contemple o caráter compensatório e preventivo que deve possuir a reparação do dano moral.

Assim, é bastante questionável a tarifação na fixação dos danos extrapatrimoniais com base no salário do trabalhador, pois tal parâmetro significa afirmar que a dor de trabalhador que ganha mais é maior daquele que tem salário menor, o que é no mínimo uma impropriedade, pois os bens juridicamente tutelados não possuem qualquer relação com a condição social de seus titulares. Ou seja, é admitir ainda que a indenização não será fixada em razão do dano sofrido, mas do salário que o lesado percebe ou percebia mensalmente, o que não pode ser admitido, pois evidentemente a condição social do lesado não altera a sua dignidade.

 

Publicado originalmente em: Jornal Informante (Farroupilha – RS), v. 754, set. 2022.

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