Daniela Vasconcellos Gomes (OAB/RS 58.090)
O dano moral pode ocorrer em qualquer área do direito, inclusive no âmbito do Direito do Trabalho, até porque, se o dano moral está relacionado à proteção da dignidade da pessoa humana, de igual forma a dignidade do trabalhador deve ser protegida.
O dano moral nas relações de trabalho também decorre da violação da vida privada, da intimidade, da honra e da imagem da pessoa, e pode decorrer de diversas formas de constrangimento no ambiente de trabalho, como procedimento discriminatório, assédio moral, assédio sexual, tratamento degradante ou vexatório, dano existencial, assédio processual, perda de uma chance, falsa acusação de crime, etc.
Assim, o dano moral ocorrido nas relações de trabalho não é diferente daquele ocorrido em qualquer outra situação, senão com algumas peculiaridades específicas, como ser julgado pela Justiça do Trabalho, ainda que tenha natureza civil, pela competência conferida pela Constituição Federal, cujo inciso VI do artigo 114 determina: “Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: [...] VI – as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho”.
Assim como ocorre nas outras áreas do Direito, a reparação de danos pode contemplar a cumulação de pedidos, podendo haver danos patrimoniais e extrapatrimoniais decorrentes do mesmo ato. O artigo 223-F da CLT, incluído com o advento da Lei 13.467/2017, também denominada reforma trabalhista, contempla tal previsão, ainda que não houvesse qualquer dúvida a esse respeito antes desse dispositivo, desde o julgamento da Súmula 37/STJ, que possui o seguinte enunciado: “São cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato”.
Com o advento da Lei 13.467/2017, a CLT passou a contemplar em título próprio, diversos artigos com disposições sobre a reparação de danos extrapatrimoniais ocorridos nas relações de trabalho, com a inclusão do artigo 223-A ao artigo 223-G da Consolidação das Leis do Trabalho.
O artigo 223-A da CLT, inclusive, tenta limitar a reparação dos danos extrapatrimoniais decorrentes das relações de trabalho a esses dispositivos, ao assim dispor: “Aplicam-se à reparação de danos de natureza extrapatrimonial decorrentes da relação de trabalho apenas os dispositivos deste Título”.
No entanto, a interpretação das regras estabelecidas pelos artigos 223-A a 223-G da CLT não devem ser interpretadas de forma literal e tampouco de forma isolada, devendo ser observada a CLT conjuntamente com a Constituição Federal, as normas internacionais de direitos humanos subscritas pelo Brasil, demais leis regulamentadoras do Direito do Trabalho, o Código Civil, e outras normas aplicáveis.
Nesse sentido, desde o advento da Constituição Federal a reparação por dano moral está incluída no texto constitucional, nos incisos V e X no artigo 5º, não estando delimitado o seu conteúdo, de modo a CLT, por ser norma infraconstitucional, não pode limitar uma norma constitucional de eficácia plena, e muito menos afastar sua aplicação.
De acordo com o artigo 223-B da CLT, os danos de natureza extrapatrimonial são bastante amplos, pois podem ser causados por qualquer ação ou omissão que ofenda a esfera moral ou existencial da pessoa física ou jurídica.
Em relação ao artigo 223-B da CLT, por prever que a vítima do dano é a titular exclusiva do direito de reparação, houve certa polêmica sobre a possível intransmissibilidade do direito à reparação aos herdeiros da vítima. No entanto, o artigo estabelece apenas sobre a titularidade do direito à reparação, mas não faz qualquer referência a sua transmissibilidade em caso de falecimento.
Já os artigos 223-C e 223-D da CLT parecem tentar reduzir o alcance dos bens juridicamente tutelados, ao mencionar a honra, a imagem, a intimidade, a liberdade de ação, a autoestima, a sexualidade, a saúde, o lazer e a integridade física como os bens juridicamente tutelados inerentes à pessoa física, e a imagem, a marca, o nome, o segredo empresarial e o sigilo da correspondência como os bens juridicamente tutelados inerentes à pessoa jurídica.
No entanto, o rol de bens tutelados elencado nos artigos 223-C e 223-D da CLT são meramente ilustrativos, e não taxativos, pois como já referido, a Constituição Federal incluiu a reparação por dano moral no artigo 5º, nos incisos V e X, mas não delimitou seu conteúdo, de modo uma norma infraconstitucional como a CLT não pode limitar uma norma constitucional de eficácia plena, ainda que sua intenção fosse reafirmar tais direitos.
Além disso, entender o rol dos artigos 223-C e 223-D da CLT como taxativo seria impedir a evolução do direito, que sempre acompanha – ou deveria acompanhar – o desenvolvimento social, em que os bens tutelados juridicamente mudam de acordo com os valores de cada contexto social.
Assim, considerando o caráter protetivo do Direito do Trabalho, as alterações legislativas sempre deveriam conferir maior proteção ao trabalhador, e não poderia ser diferente com a inclusão de normas específicas sobre a reparação dos danos extrapatrimoniais havidos nas relações de trabalho, mas tal afirmação atualmente é bastante questionável, desde o advento da Lei 13.467/2017, a chamada reforma trabalhista.
Publicado originalmente em: Jornal Informante (Farroupilha – RS), v. 753, set. 2022.