Os planos de saúde e o dever de fornecer tratamento domiciliar

Daniela Vasconcellos Gomes (OAB/RS 58.090)

Ainda que a saúde seja direito fundamental protegido pelo artigo 6º da Constituição Federal, sua proteção nem sempre é efetiva, tanto na rede pública como na rede privada de saúde.

Nesse sentido, muitas são as queixas dos usuários dos planos de saúde, que muitas vezes impõem cláusulas abusivas, ou negam cobertura em tratamentos/medicamentos necessários à saúde de seus usuários, seja pela alegação que não estariam previstos em contrato, que haveria doença preexistente, ou que não teria sido respeitado o período de carência.

Dentre os tratamentos com frequente negativa de cobertura pelos planos de saúde estão os tratamentos domiciliares, também conhecidos como home care, que nada mais é que um desdobramento do tratamento hospitalar e, por isso, não podem ser limitados pela operadora do plano de saúde.

Em primeiro lugar, cabe ressaltar a evidente relação de consumo existente entre as partes, já que o contrato de plano de saúde estabelecido entre o consumidor e a fornecedora de serviços de saúde constitui-se em relação de consumo, e submete-se, consequentemente, às normas do Código de Defesa do Consumidor. Os contratos de planos de saúde estão submetidos às normas do Código de Defesa do Consumidor, na forma da Súmula 469, do Superior Tribunal de Justiça, devendo ser interpretados de maneira mais favorável à parte mais fraca nesta relação.

Assim, ainda que o contrato de assistência à saúde firmado entre partes possa não prever expressamente cobertura específica para tratamento domiciliar, deve-se ressaltar que o artigo 47, do Código de Defesa do Consumidor, determina que as cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor. Além disso, deve incidir o disposto no artigo 51, IV, § 1°, II, do Código de Defesa do Consumidor, segundo o qual é nula a cláusula que estabeleça obrigações consideradas iníquas, que coloquem o consumidor em manifesta desvantagem.

No caso dos tratamentos domiciliares, esses são prescritos quando o estado de saúde do paciente não permite deslocamentos, não se tratando de mera opção ou comodidade do consumidor, e sim uma evidente necessidade, a qual não pode ser subjugada pelos interesses econômicos das operadoras de plano de saúde, que não podem se recusar a custear o tratamento prescrito, mesmo quando o contrato não prevê expressamente cobertura em ambiente domiciliar, pois cabe ao médico assistente definir qual é o melhor tratamento para o segurado, e não a operadora de plano de saúde.

Conforme dispõe o artigo 21 do Código de Ética Médica, é direito do médico “indicar o procedimento adequado ao paciente, observadas as práticas reconhecidamente aceitas e respeitando as normas legais vigentes no País”. Ou seja, ninguém melhor do que o profissional da medicina para indicar qual o melhor tratamento a ser realizado pelo seu paciente, de forma a curar a sua enfermidade ou diminuir os efeitos colaterais dela decorrentes.

Ademais, deve ser priorizado o direito à saúde e à vida em relação ao direito contratual. De modo que havendo expressa indicação médica, não pode prevalecer a negativa de cobertura de tratamentos/procedimentos médicos, sendo totalmente abusiva a negativa de cobertura de custeio de tratamento sob o argumento de não haver previsão contratual, até porque o atendimento domiciliar muitas vezes é mais viável economicamente para os planos de saúde em comparação ao custo diário da internação hospitalar – e o segurado não é obrigado a permanecer internado para ter o tratamento médico necessário à melhora de seu estado clínico.

Assim, o tratamento domiciliar constitui desdobramento do tratamento hospitalar normalmente previsto em contrato, que não pode ser limitado pela operadora do plano de saúde, mostrando-se indevida qualquer recusa na cobertura de tratamento prescrito pelo médico assistente. Sendo o direito à saúde constitucionalmente garantido, inviável interpretar-se regulamentação infraconstitucional de forma a restringir ou limitar os direitos do consumidor.

Publicado originalmente em: Jornal Informante (Farroupilha – RS), v. 528, mar. 2018.
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