Entendendo a responsabilidade civil das empresas pelas lesões dos trabalhadores

Mathias Felipe Gewehr (OAB/RS 54.294)

Um dos temas de grande relevância dentro do Direito do Trabalho é a responsabilização das empresas pelos acidentes de trabalho e pelas doenças ocupacionais dos trabalhadores, também chamados de lesões acidentárias.

Para a configuração da responsabilização do empregador decorrente de lesão acidentária, é preciso que estejam presentes os requisitos caracterizadores da responsabilidade civil: fato, dano, nexo causal e a culpa empresarial.

O fato é a própria ocorrência da doença ocupacional, da doença profissional ou do acidente de trabalho típico. É a ocorrência do fato em si, seja o acidente de trabalho ou a ocorrência da doença do trabalhador em razão do trabalho desenvolvido.

Quanto ao dano, a sua comprovação depende da espécie do dano. Para a comprovação do dano material, deve ser provada a materialidade do dano, seja pelas despesas feitas (dano emergente), ou pelas perdas futuras em decorrência da diminuição da capacidade de trabalho (lucros cessantes). Para a comprovação do dano moral, se não for evidenciado o dano, visto a dificuldade ou até impossibilidade de sua prova, deve ser comprovado ao menos a ocorrência de seu fato deflagrador.

A culpa empresarial está prevista no inciso XXVIII do artigo 7º da Constituição Federal, que dispõe: “São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: [...] XXVIII – seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa”.

Assim, a responsabilidade nos casos de acidente de trabalho deve ser observada sob duas perspectivas: a responsabilidade objetiva, fundada na teoria do risco integral, a cargo do INSS, e a responsabilidade subjetiva do empregador, quando este incorrer em dolo ou culpa na ocorrência do acidente, seja ele típico ou a ele equiparado por lei.

Alguns autores defendem que, no caso das doenças ocupacionais, a responsabilidade do empregador deveria ser objetiva nos casos em que as doenças são desencadeadas por ação de agentes insalubres de natureza física, química ou biológica, os quais, por sua natureza, são agressivos ao meio ambiente do trabalho, por se tratar de violação ao meio ambiente do trabalho – considerando que a responsabilidade ambiental é objetiva, de acordo com a previsão constitucional nesse sentido.

Quanto ao nexo causal, este diz respeito à relação de causa e efeito entre a conduta do empregador e o dano sofrido pelo empregado. No decorrer da história, o estabelecimento do nexo causal foi crescendo em complexidade, em que inicialmente era reconhecido apenas o acidente de trabalho típico, posteriormente a perda auditiva induzida por ruído (PAIR), depois os distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho e as doenças da coluna vertebral relacionadas ao trabalho (LER-DORT), e mais recentemente os transtornos mentais relacionados ao trabalho.

Em relação ao nexo causal, é interessante mencionar ainda a chamada concausa, que ocorre quando o acidente ou a doença do trabalho não são as únicas causas para a incapacidade ou até mesmo a morte do trabalhador, mas contribuíram de forma fundamental para a sua ocorrência.

O Tribunal Superior do Trabalho tem reconhecido em diversos julgamentos que, se a concausalidade do trabalho foi reconhecida pela perícia técnica, deve ser reconhecida a responsabilidade civil do empregador, impondo-se a este o dever de indenizar o trabalhador pelos danos materiais e/ou morais causados.

Assim, para o estabelecimento do nexo de causa e efeito entre o trabalho desempenhado e a doença do trabalhador, o médico perito deve apreciar as peculiaridades do caso concreto, considerando não somente as características pessoais do trabalhador, tais como idade e constituição física, como também as condições de trabalho, não apenas do meio ambiente do trabalho, como as tarefas desempenhadas pelo trabalhador.

De modo que, nos casos de lesões acidentárias, deve ser investigado o meio ambiente laborativo, para verificar se ele pode provocar ou contribuir para o dano sofrido pelo trabalhador. Ainda que se verifique uma diversidade de causas para a lesão do trabalhador (multicausalidade ou concausalidade) não é afastado o nexo de causalidade, se comprovado que o ambiente de trabalho contribuiu para a ocorrência do dano.

 

Publicado originalmente em: Jornal Informante (Farroupilha – RS), v. 773, fev. 2023.

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