Desmistificando a Justiça do Trabalho

Daniela Vasconcellos Gomes (OAB/RS 58.090)

Com a reforma havida na legislação trabalhista imposta pela Lei 13.467/2017, passou-se a discutir em diversos meios as características do Direito do Trabalho no Brasil. Dos diversos ramos do Direito, o Direito do Trabalho e o Direito Penal talvez sejam os mais mal falados pela sociedade brasileira, o primeiro injustamente e o segundo com certa razão, diante da premente necessidade de reforma da legislação criminal.

O Direito do Trabalho em verdade é pouco conhecido e muito mistificado, em que o pouco conhecimento da legislação abre espaço para suposições e histórias distorcidas. De modo que, embora parte da sociedade brasileira atribua caráter totalmente protecionista à Justiça do Trabalho, em que alguns empresários alegam que os trabalhadores “tentam ganhar na loteria” ao postular seus direitos na Justiça do Trabalho, ou que “não adianta pagar certo pois depois tem que pagar tudo de novo”, esta não é a realidade do cotidiano forense trabalhista.

É certo que podem existir pedidos afastados da realidade, o que pode acontecer em qualquer área do Direito, quando os clientes não são sinceros com seus procuradores ao relatar suas situações vividas, mas tal situação sempre foi desencorajada pela legislação por meio da figura de litigância de má-fé, a qual não é novidade imposta pela Lei 13.467/2017, mas prevista no ordenamento brasileiro ao menos desde o Código de Processo Civil de 1939, com raízes muito mais antigas, ainda no antigo direito romano.

Ainda que exista uma falsa ideia disseminada em que a Justiça do Trabalho está repleta de aventuras jurídicas, é preciso dizer que tal noção é totalmente distanciada da realidade, pois levantamentos de diversos Tribunais Regionais do Trabalho apontam que a maior parte dos pleitos estão relacionados a direitos básicos dos trabalhadores que não foram pagos por suas empregadoras.

No Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, que tem jurisdição no Estado do Rio Grande do Sul, ainda não existem dados estatísticos oficiais, mas juízes e servidores afirmam que as principais causas de ações trabalhistas no Estado envolvem verbas de rescisão de contrato, reconhecimento de vínculo de emprego, não recolhimento do FGTS, adicional por insalubridade, e horas extras. Ou seja, não se tratam se pedidos “mirabolantes” como querem acreditar alguns, mas verbas efetivamente devidas e que não foram pagas durante o contrato de trabalho.

Outro aspecto muitas vezes distorcido é a forma de solução das demandas, já que muitos defendem que a maioria das demandas é improcedente, o que seria fruto das “aventuras jurídicas” existentes na Justiça do Trabalho, quando esta não é a realidade, pois a maioria das demandas termina com a conciliação entre as partes ou com procedência total ou parcial da ação, sendo improcedência a minoria dos casos.

Para ilustrar de forma concreta essa afirmação, é possível analisar dados estatísticos da Vara do Trabalho de Farroupilha, com base nos relatórios da Corregedoria Regional do TRT4 dos últimos dois anos, em que os resultados apontam que as demandas trabalhistas foram solucionadas da seguinte forma no ano de 2016: conciliação: 50%, total procedência: 6%, parcial procedência: 27%, improcedência: 7% e desistência/arquivamento: 10%, e no ano de 2017: conciliação: 46%, total procedência: 6%, parcial procedência: 28%, improcedência: 8% e desistência/arquivamento: 12%.

Assim, considerando os dados estatísticos dos dois últimos anos da Vara do Trabalho de Farroupilha, apenas 7 ou 8% das demandas trabalhistas ajuizadas foram julgadas totalmente improcedentes, por considerar que o trabalhador não possuía razão em relação aos direitos postulados, percentual muito abaixo de ações julgadas improcedentes na Justiça Estadual, por exemplo.

Se as demandas trabalhistas fossem tão infundadas como defendem alguns, esse percentual de 7 ou 8% de demandas improcedentes seria muito maior, o que não ocorre na realidade. Assim como a conciliação ocorrida em cerca de metade dos casos  demonstra que os direitos postulados pelos trabalhadores não são “aventura jurídica” ou “loteria jurisdicional”, desmistificando a Justiça do Trabalho, tão mal falada mas tão necessária, especialmente em uma sociedade tão desigual, e que o trabalhador muitas vezes precisa se submeter a condições adversas para não perder sua única fonte de renda.

 

Publicado originalmente em: Jornal Informante (Farroupilha – RS), v. 504, fev. 2018.

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