O polêmico auxílio-reclusão

Daniela Vasconcellos Gomes (OAB/RS 58.090)

Nos últimos dias, um dos assuntos que mereceu grande destaque nas redes sociais foi o auxílio-reclusão, já que alguns divulgaram que esse benefício previdenciário teria sido reajustado e teria valor maior que o salário mínimo vigente, o que seria uma grande injustiça, já que muitos trabalhadores teriam direito a um valor menor do que aquele recebido por um encarcerado por ter cometido crime. Não há dúvidas que o trabalhador brasileiro em regra é muito mal remunerado, mas é preciso analisar a questão sobre o viés técnico.

Dentre os diversos benefícios previdenciários existentes, o auxílio-reclusão é a espécie mais polêmica, pois concedido aos dependentes do segurado recolhido à prisão, quando observados diversos requisitos legais, tão dificilmente alcançados que representam atualmente 0,19% do total dos benefícios concedidos pelo INSS, e 0,17% do valor total desses benefícios, significando valor irrisório diante da despesa total dos benefícios previdenciários.

Mesmo sendo exceção dentro do universo previdenciário, o auxílio-reclusão é repudiado

pela sociedade, que em grande parte entende que se trata de um benefício assistencial concedido de forma a favorecer injustamente o criminoso, em vez de reparar a vítima ou sua família, gerando insatisfação e até mesmo revolta ao se abordar o tema.

Efetivamente, é preciso uma alteração legislativa, para que as vítimas ou mesmo suas famílias possam ser minimamente ressarcidas após a ocorrência de crimes, mas para isso é preciso que algum dos projetos legislativos que tramitam nesse sentido no Congresso Nacional sejam apreciados e levados à votação, para que se tornem realidade. Enquanto isso, o auxílio-reclusão é benefício previdenciário vigente, previsto na legislação desde a décadas de 1960.

Em sua origem, o auxílio-reclusão teve previsão pela primeira vez no Brasil na década de 1930, com o Decreto 22.872/1933 e posteriormente com o Decreto 54/1934, que regulamentavam aposentadorias e pensões de marítimos e bancários. Após, na década de 1960, foi generalizada a sua previsão pela Lei 3.807/1960 – a Lei Orgânica da Previdência Social.

Com o advento da Constituição Federal de 1988, o auxílio-reclusão passou a ter previsão constitucional expressa, contida no inciso I, do artigo 201, que incluiu a reclusão no rol de riscos sociais cobertos pela Previdência Social. Em verdade o risco social não é a reclusão em si, mas a perda temporária de uma fonte de subsistência, a redução da renda familiar em razão da reclusão do segurado. Hoje o auxílio-reclusão está previsto no inciso IV do artigo 201 da Constituição Federal.

Os requisitos para concessão do auxílio-reclusão estão dispostos no artigo 80 da Lei 8.213/1991, com redação dada pela Lei 13.846/2019, dentre eles o mínimo de 24 meses de contribuições ao INSS antes da prisão, sendo devido nas condições da pensão por morte, aos dependentes do segurado de baixa renda recolhido à prisão em regime fechado que não receber remuneração da empresa nem estiver em gozo de auxílio-doença, de pensão por morte, de salário-maternidade, de aposentadoria ou de abono de permanência em serviço.

Assim, é o benefício previdenciário com maior carência prevista, correspondente ao dobro do previsto para os benefícios previdenciários de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez. Apenas observando a carência requerida, já se percebe a razão de tal benefício representar somente 0,19% do total dos benefícios concedidos pelo INSS, pois dificilmente alguém preso em regime fechado estava contribuindo há mais de 24 meses para a Previdência Social. Em regra, é concedido após a ocorrência de algum crime passional ou motivado por questões de gênero, especialmente as tentativas de feminicídio, já que os “profissionais do crime” dificilmente contribuem para a Previdência Social.

Dentre os requisitos legais para a concessão do auxílio-reclusão, há ainda o requisito “baixa renda”, em que o auxílio-reclusão somente pode ser concedido aos dependentes do segurado que contribuía há mais de 2 anos para o INSS, e que possuía renda média de até R$ 1.754,18, independentemente da quantidade de contratos e de atividades exercidas.

No entanto, esse valor de R$ 1.754,18 é o limite legal para verificar o enquadramento na baixa renda, e não o valor do benefício concedido, que será sempre de um salário mínimo dividido para todo o grupo de dependentes – e não um salário para cada dependente, como muitos imaginam.

Se é justo ou não, o auxílio-reclusão tem previsão constitucional e somente pode ser alterado por meio de modificação da Constituição Federal, independentemente de nossas opiniões, por mais apaixonadas que sejam. Uma emenda constitucional deve ser apresentada com apoio de 1/3 dos parlamentares da Câmara ou do Senado, pelo Presidente da República ou por mais da metade das Assembleias Legislativas, e sua aprovação depende de votação mínima de 3/5 dos deputados.

Ou seja, depende do Congresso Nacional a alteração legislativa esperada por muitos, mas nossos parlamentares infelizmente muitas vezes estão mais preocupados com seus interesses ou interesses de seus aliados, e buscando formas de se perpetuar no poder, enquanto o povo briga nas redes sociais e até com seus amigos e familiares, como se isso pudesse alterar a legislação vigente.

 

Publicado originalmente em: Jornal Informante (Farroupilha), v. 770, jan. 2023.

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