Sobre a publicidade no Código de Defesa do Consumidor

Daniela Vasconcellos Gomes (OAB/RS 58.090)

A publicidade é disciplinada basicamente pelo disposto nos artigos 36 a 38 do Código de Defesa do Consumidor. Seus princípios fundamentais são o da identificação e o da veracidade, para que o consumidor tenha a informação mais completa possível sobre os produtos e serviços colocados à disposição no mercado de consumo.

O princípio da identificação diz respeito à forma de inserção da mensagem publicitária no veículo de divulgação. Dispõe o caput do artigo 36 do Código de Defesa do Consumidor: “a publicidade deve ser veiculada de tal forma que o consumidor, fácil e imediatamente, a identifique como tal”.

Assim ocorre devido ao caráter persuasivo da mensagem publicitária, de modo que o consumidor a deve identificar prontamente, para que possa se prevenir e resistir aos argumentos, ou ceder, se assim desejar. Esse dever de identificação, além de estar expresso em dispositivo legal, é imposto pelos princípios da lealdade e boa-fé objetiva.

Há várias formas de infringir o princípio da identificação, fazendo-a de forma dissimulada ou clandestina.

A publicidade dissimulada é aquela que aparenta ser uma notícia ou reportagem isenta, objetiva, como se o órgão de divulgação a transmitisse informando ao público ou realizasse uma simples reportagem. O empresário pode transmitir informações ao público de forma diversa da publicidade convencional, mas para que não haja confusão, o que for publicidade deve ser identificado como tal, com a tarja “informação publicitária”.

A publicidade clandestina – conhecida como merchandising – é freqüente especialmente na televisão e cinema, e ocorre de maneira não-ostensiva, inserida no contexto do programa. Nela, há a inserção no roteiro de um produto audiovisual de uma situação de uso ou consumo de um produto ou serviço, de forma a induzir a identificação do expectador com determinadas marcas ou estilos de vida. Assim, a publicidade é feita de modo sutil ao telespectador, que associa o produto às situações/circunstâncias positivas transmitidas.

Outra forma de publicidade vedada é a feita de modo subliminar. A mensagem subliminar não é exatamente comunicação, mas manipulação, uma vez que atua no inconsciente das pessoas. Os estímulos são realizados de maneira que escapam à percepção humana consciente, mas são suficientes para influenciar o comportamento. Sem esquecer que a eliminação da consciência implica na ausência de vontade, e em decorrência, acarreta a nulidade do ato praticado.

O teaser faz parte de algumas campanhas publicitárias, que se utilizam de anúncios preparatórios que contêm uma mensagem curta que tem o propósito de despertar a curiosidade do consumidor – que será respondida pelos anúncios subseqüentes. Se os fragmentos do teaser não forem enganosos ou abusivos, a ocultação do anunciante não configura infração ao princípio da identificação, pois o anúncio não está completo.

Quanto ao patrocínio, seria interessante seguir as disposições das legislações européias sobre o assunto: é proibido o patrocínio de programas por marcas de bebidas alcoólicas, tabaco, medicamentos, ou o patrocínio de telejornais, e os patrocinadores não podem influenciar o conteúdo do programa, nem incitar ao consumo de seus produtos e serviços, por exemplo.

O princípio da veracidade diz respeito ao conteúdo da mensagem, e está expresso no parágrafo único do artigo 36 do Código de Defesa do Consumidor: “o fornecedor, na publicidade dos seus produtos ou serviços, manterá, em seu poder, para informação dos legítimos interessados, os dados fáticos, técnicos e científicos que dão sustentação à mensagem”. Assim, a informação veiculada como publicidade não pode atingir a informação como direito do consumidor – que é um dos princípios gerais de sua proteção.

Entretanto, como a publicidade atua em um mundo de ficção, em que o homem também vive, e em situações normais sabe distingui-lo da realidade, permite-se uma certa margem de tolerância para certos exageros ou hipérboles – é a chamada licença publicitária ou puff.

As espécies mais comuns de licença publicitária são: a) a otimista, que estabelece uma referência direta entre o produto anunciado e a concorrência (por ex. “o melhor do mundo”); b) a exagerada, que faz uma amplificação da realidade em relação ao próprio produto (por ex. “o inimigo nº 1 dos insetos”); c) a humorística, que substitui o enfoque exclusivo sobre o produto por uma situação bem-humorada, que é facilmente memorizada.

De modo que é ainda permitido certa fantasia nas mensagens publicitárias, desde que não enganem o público no essencial – ainda que a doutrina e a jurisprudência venham apontando para uma certa tendência de objetividade na publicidade.

O anunciante deve estar munido previamente de todos os elementos que demonstrem a correspondência das afirmações publicitárias com as qualidades efetivas do produto, possibilitando a verificação da idoneidade técnica e científica dos dados por qualquer consumidor ou mesmo por entidades habilitadas. para tanto.

O Código de Defesa do Consumidor veda toda e qualquer publicidade ilícita. Nesse sentido, há duas formas básicas de ilicitude: a publicidade enganosa e a abusiva. Elas geram efeitos sobre os 3 campos de responsabilidade: civil, penal e administrativo, mas este texto tem como principal objetivo a responsabilidade no âmbito civil.

Os elementos que caracterizam a publicidade enganosa ou abusiva podem dizer respeito ao caráter publicitário da mensagem (diz respeito à própria natureza do que é veiculado), ao seu potencial enganoso (falsidade e indução em erro) e ao conteúdo da mensagem que deve ser preservado.

Quanto à falsidade, a mensagem é falsa quando não há correspondência entre as afirmativas nela contidas e a realidade. É de se salientar que não há necessária correlação entre falsidade e enganosidade. Ou seja, uma mensagem pode ser falsa e não ser enganosa, assim como pode ser verdadeira, mas enganosa.

Quanto à indução em erro, é enganosa qualquer informação ou comunicação de caráter publicitário que seja capaz de induzir o consumidor em erro. Tal capacidade de indução em erro significa a potencialidade lesiva da mensagem publicitária. A enganosidade é apreciada objetivamente, devendo ser avaliada em relação ao público-alvo da publicidade.

Uma vez que a indução em erro não depende apenas da astúcia da mensagem, mas considera também as condições de quem a recebe, busca-se um critério para medir a sua nocividade. Muitas vezes refere-se a um padrão abstrato, ao do “consumidor médio”, que atribui ao consumidor um mínimo de espírito crítico, inteligência e discernimento. Mas tal critério mostra-se seletivo, vez que um alto nível de informação do consumidor corresponde a um baixo índice de influência da publicidade. Mais adequado seria o critério do “consumidor típico”, que é mais compatível com a proteção dos mais fracos, pois leva em consideração o menos consciencioso e informado, e conseqüentemente, aquele mais exposto aos efeitos de publicidades enganosas.

A tutela legal protege o consumidor da publicidade enganosa compreendendo todo e qualquer dado relevante, relativo ao produto ou ao serviço anunciado. Também a enganosidade por omissão é prevista pelo Código de Defesa do Consumidor.

Quanto à abusividade, várias são as suas formas, já que a abusividade pode dizer respeito a alguma forma de discriminação, a incitação da violência, a prejuízos à saúde do consumidor, o desrespeito a valores ambientais, entre outras.

A publicidade discriminatória de qualquer natureza é considerada abusiva, pois a publicidade não pode, através de discriminação, violar o valor constitucional da igualdade.

É vedada ao anunciante a publicidade que incite à violência, e também a que explore o medo, visto que é uma forma de coação moral que pode ser exercida pela publicidade. De igual forma é vedada a publicidade que explore a superstição, pois não é aceitável que o fornecedor se aproveite da credulidade ou da falta de conhecimentos de algum consumidor.

Quanto à publicidade dirigida às crianças, o primeiro fato que não pode ser esquecido é que o público infantil é um alvo cobiçado pela publicidade – seja porque ele propriamente constitui um atraente mercado de consumo, seja porque pode servir de meio de atingir os adultos. Ademais, devido a sua natural vulnerabilidade, a exposição das crianças aos efeitos da publicidade pode ser altamente nociva, diante das conseqüências que podem daí advir.

A publicidade também não pode desrespeitar valores ambientais. O Código de Defesa do Consumidor coíbe a publicidade dos produtos que deixam resíduos danosos à ecologia. Também a publicidade institucional de uma empresa que exagera seus esforços na preservação do meio ambiente é abusiva, assim como a produção de um anúncio exibindo o produto em ambiente legalmente protegido.

A publicidade não pode ser capaz de induzir o consumidor a se comportar de maneira prejudicial ou perigosa à sua saúde, ou à sua segurança. Outras formas de publicidade também podem ser abusivas, pois o rol trazido pelo Código de Defesa do Consumidor é meramente exemplificativo. A abusividade é conceito jurídico indeterminado, preenchido na construção do caso concreto.

Há ainda categorias especiais de anúncios, regulados especificamente, em razão da preocupação com a segurança, a saúde pública e outros valores superiores da sociedade. Assim ocorre, por exemplo, com a publicidade de armas de fogo, de bebidas alcoólicas, de cigarro, medicamentos, terapias e defensivos agrícolas. Em todos esses casos, o interesse do legislador foi proteger a parte mais vulnerável na relação de consumo: o consumidor.

Publicado originalmente em: Jornal Informante (Farroupilha – RS), v. 185 e v. 186, set. 2011.

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