Entendendo a guarda compartilhada

Daniela Vasconcellos Gomes (OAB/RS 58.090)

A guarda compartilhada não é exatamente uma novidade, vez que já era uma realidade antes mesmo do advento da Lei 11.698/08, que alterou o Código Civil, instituindo e disciplinando a guarda compartilhada. Ainda assim, existem muitas dúvidas quando um casal com filhos decide terminar a relação.

O primeiro aspecto a ser considerado é que o fim do relacionamento dos pais não determina a extinção nem de direitos nem de deveres com relação aos filhos. O rompimento da relação dos genitores não pode comprometer a continuidade dos vínculos parentais, pois o exercício do poder familiar em nada é afetado pelo divórcio ou pela separação de fato. Não existe ex-pai, ex-mãe ou ex-filho.

Deixando os pais de viver sob o mesmo teto, ainda que haja situação de conflito entre eles sobre a guarda dos filhos sujeitos ao poder familiar, é necessário definir a guarda, se conjunta ou unilateral.

Na guarda unilateral, ainda que ambos os pais continuem detentores do poder familiar, o filho fica sob a guarda de um, e ao outro é assegurado o direito de visita, que muitas vezes é regulamentado minuciosamente, e às vezes de forma bastante rígida, com dias e horários predeterminados.

Aliás, na guarda unilateral, muitas vezes os filhos são usados como instrumento de vingança pelas mágoas acumuladas durante o período da vida em comum. Ou até mesmo usado como “moeda de troca”: se os alimentos foram prestados em dia, há visitação, caso contrário, o genitor que detém a guarda não permite o exercício do direito de visitas.

Atualmente a lei prioriza a guarda compartilhada, que assegura maior aproximação física dos filhos com ambos os genitores, conferindo-lhes de forma igualitária o exercício dos direitos e deveres concernentes à autoridade parental.

Não mais se limita o não guardião a fiscalizar a manutenção e educação do filho quando na guarda do outro, pois, ambos os pais persistem com todo o complexo de ônus que decorrem do poder familiar.

A guarda compartilhada pode ser fixada por consenso ou por determinação judicial, mas quando ambos os pais manifestam-se expressamente pela guarda unilateral, o juiz não pode impor o compartilhamento.

Se somente um dos genitores não aceita a guarda compartilhada, esta pode ser determinada, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, se esta for a orientação técnico-profissional ou de equipe interdisciplinar, variando de caso a caso.

A guarda compartilhada tem por objetivo garantir que o filho terá pais igualmente engajados no atendimento aos deveres inerentes ao poder familiar, mas que para que ela atinja seus objetivos, é importante que os pais se desarmem totalmente, superando mágoas e frustrações que porventura ainda possuam, para que essa medida não se torne inócua, ou até mesmo gere mais problemas do que soluções.

Também não é possível confundir a guarda compartilhada com a inconveniente guarda alternada, através da qual, mais no interesse dos pais do que no dos filhos, procede-se praticamente a divisão da criança. Confere-se de forma exclusiva o poder parental por períodos pré-estabelecidos de tempo entre as casas dos genitores. Reside, por exemplo, 15 dias na casa de cada genitor, ou por períodos maiores, e visita o outro.

Tal arranjo gera ansiedade e tem escassa possibilidade de sucesso, pois a criança pode se sentir sendo jogada de um lado para outro, de acordo com a agenda pessoal dos pais, o que seria ainda mais maléfico ao desenvolvimento da criança, do que as raras visitas do genitor não guardião.

Falando ainda em visitação, deve-se ressaltar que esta não é somente um direito assegurado ao pai ou à mãe, é direito do próprio filho de com eles conviver, o que reforça os vínculos entre pais e filhos. Ou, visto de outro modo, o chamado direito de visitas não é só direito do genitor não guardião, mas um dever, já que o poder familiar impõe mais responsabilidade que direitos.

Assim, é preciso deixar os interesses individuais de lado, e buscar um consenso, visando garantir o direito da criança de manter o contato com o genitor com o qual não convive cotidianamente, para que possa se desenvolver de forma plena a sua personalidade. E ainda que a guarda compartilhada não seja a solução de todos os conflitos familiares, certamente ela representa a forma mais civilizada de convívio após o fim do relacionamento dos pais.

 

Publicado originalmente em: Jornal Informante (Farroupilha – RS), v. 137, out. 2010.

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