A família de ontem e de hoje

Daniela Vasconcellos Gomes (OAB/RS 58.090)

O que é uma família? Qual sua função? Um casal com filhos? E o casal sem filhos é família? E irmãos sem seus pais? O pai da madrasta é da família? E os avós, tios, primos, os parentes do atual marido/mulher são da família? Existe ex-família? E os casais homossexuais? O que dizer sobre uma mulher que engravidou por inseminação artificial? Afinal, somente é considerada família aquele modelo tipo tradicional, o famoso estereótipo de família feliz de comercial de margarina?

As idéias sobre a família são muito diversas, contraditórias. Ao longo dos anos modificam-se para acompanhar o avanço da sociedade, e demonstrar padrões de comportamento, normas sociais, conformismo ou rebeldia, valores morais e éticos, sentimentos como dor, alegria, orgulho ou decepção.

Família é qualquer grupo em que as pessoas vivem, comem e dormem juntas, qualquer que seja a composição, forma ou nome que o grupo possa ter. A única coisa importante na definição de família é que este pequeno grupo tenha um passado e um futuro comuns, embora estes possam ser de curta duração (The Medical Life History of Families, 1978).

O conceito de família não pode ser limitado a laços de sangue, casa, parceria sexual ou adoção. Qualquer grupo cujas ligações sejam baseadas na confiança, suporte mútuo e destinos comuns, devem ser encarados como família.

A família herdada do século XIX é marcadamente nuclear, heterossexual, monogâmica e patriarcal, já que dominada pela figura do pai. Da família, ele era a honra, dando-lhe o nome, sendo o chefe e o gerente daquele núcleo. Encarnava e representava o grupo familiar, cujos interesses sempre prevaleciam sobre as aspirações que a compunham.

Mulher e filhos eram rigorosamente subordinados. A esposa estava destinada ao lar, aos muros de sua casa, à fidelidade absoluta. Os filhos deviam submeter suas escolhas profissionais e amorosas às necessidades familiares. As uniões privilegiavam a aliança em vez do amor, a paixão sendo considerada fugaz e destruidora. Para as moças, vigiadas de perto, não havia outro caminho senão o casamento e a vida caseira.

Foi principalmente no período entre a I e a II Guerras Mundiais, que começou a se perceber uma ruptura no modelo de família existente até então. Os jovens que trabalhavam fora não aceitavam mais entregar todo o salário que recebiam ao patriarca, nem as mulheres aceitavam mais de forma tão submissa a imposição de casamentos que não desejavam, preferindo muitas vezes permanecerem solteiras a ter um marido imposto e indesejado.

Com o advento da pílula anticoncepcional, nos anos 60, a mulher passou a ter controle também dos filhos que teria, podendo escolher quando e quantos filhos teria. Os filhos, que antes eram numerosos, especialmente nas áreas rurais, pois eram sinônimos de “mais braços” para a lavoura, passaram a diminuir gradativamente, encolhendo o tamanho das famílias.

A Lei do Divórcio (Lei 6.515/77) também influenciou grandemente para a configuração atual da família, que hoje se apresenta de inúmeras formas. E é importante frisar que as modificações da estrutura familiar clássica não significam o fim da família, mas apenas a sua reestruturação.

Cada vez mais a idéia de família se afasta da estrutura do casamento. A possibilidade do divórcio e o estabelecimento de novas formas de convívio revolucionaram o conceito sacralizado de matrimônio.

Hoje, as mais diversas formas de convívio passaram a ser aceitas pela sociedade, e as pessoas podem constituir a família da forma que lhes convier, não estando mais limitadas ao casamento para ser reconhecidas como família.

Antes, o laço característico da família era essencialmente biológico, e somente eram reconhecidos os filhos havidos na constância do casamento; hoje, a família pode ser formada por laços biológicos, adotivos, sócio-afetivos… enfim, o que importa é o afeto e a vida em comum, com objetivos de vida comuns.

A família-instituição foi substituída pela família-instrumento, ou seja, ela existe e contribui tanto para o desenvolvimento da personalidade de seus integrantes como para o crescimento e formação da própria sociedade, justificando, assim, a sua proteção pelo Estado.

 

Publicado originalmente em: Jornal Informante (Farroupilha – RS), v. 129, ago. 2010.

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