A vedação da dispensa discriminatória

Mathias Felipe Gewehr (OAB/RS 54.294)

Daniela Vasconcellos Gomes (OAB/RS 58.090)

O empregado é contratado para prestar serviço de forma subordinada, e está sujeito ao poder de direção do empregador, que é a forma como o empregador define a maneira pela qual serão desenvolvidas as atividades do empregado decorrentes do contrato de trabalho.

O poder de direção abrange poder de organização, poder de controle e poder disciplinar do empregador, que estabelece a melhor forma de desenvolvimento de suas atividades. No entanto, deve-se ressaltar que o poder de direção não é direito absoluto, e no que diz respeito à dispensa do empregado, a legislação traz hipóteses impeditivas de dispensa discriminatória.

Assim sendo, de acordo com o artigo 1º da Lei 9.029/95, “Fica proibida a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso a relação de emprego, ou sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar ou idade, ressalvadas, neste caso, as hipóteses de proteção ao menor previstas no inciso XXXIII do art. 7º da Constituição Federal”.Nesse sentido, tem ocorrido com frequência a dispensa de empregados acometidos por doença grave, em que o empregador passa a ver o empregado como um “fardo” quando este precisa se afastar para realizar tratamento médico ou necessita de acompanhamento médico constante em razão de seu estado de saúde. Muitas vezes o trabalhador nem chega a iniciar o tratamento médico, mas simplesmente ao ser diagnosticado com neoplasia maligna (câncer) ou outra doença grave passa a ser estigmatizado pela gravidade da doença.

Ainda que a Lei 9.029/95 não explicite como “prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso a relação de emprego, ou sua manutenção”, atos motivados em decorrência de doença do empregado (artigo 1º), o Brasil ratificou a Convenção n. 111 da OIT, concernente à discriminação em matéria de emprego e profissão, que, por meio do seu artigo 1º, item 1, letra “b”, estabelece que: “1. Para fins da presente convenção, o termo “discriminação” compreende: a) Toda distinção, exclusão ou preferência fundada na raça, cor, sexo, religião, opinião política, ascendência nacional ou origem social, que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidades ou de tratamento em matéria de emprego ou profissão; b) Qualquer outra distinção, exclusão ou preferência que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidades ou tratamento em matéria de emprego ou profissão, que poderá ser especificada pelo Membro Interessado depois de consultadas as organizações representativas de empregadores e trabalhadores, quando estas existam, e outros organismos adequados.”Inserem-se neste rol as práticas motivadas por doença do empregado, forma de discriminação no âmbito laboral que deve ser veementemente coibida pela Justiça do Trabalho, com o objetivo de proteger o trabalhador vítima de tal ação por parte do empregador.

Além disso, o TST, à luz dos princípios da dignidade da pessoa humana, do valor social do trabalho e da não discriminação, editou a Súmula n. 443, que determina: “Presume-se discriminatória a despedida de empregado portador do vírus HIV ou de outra doença grave que suscite estigma ou preconceito. Inválido o ato, o empregado tem direito à reintegração no emprego.”

Assim, presume-se discriminatória a ruptura arbitrária do contrato de trabalho, quando não comprovado um motivo justificável, em face de circunstancial debilidade física causada por doença sofrida pelo trabalhador. Esse entendimento pode ser abstraído do contexto geral de normas do nosso ordenamento jurídico, que entende o trabalhador como indivíduo inserto numa sociedade que vela pelos valores sociais do trabalho, pela dignidade da pessoa humana e pela função social da propriedade.

De modo que a dispensa discriminatória em razão de doença grave do empregado configura verdadeiro abuso de direito do empregador, já que a dispensa do trabalhador ocorre em momento de fragilidade física e emocional, subtraindo do mesmo um dos pilares essenciais à sua recuperação, o emprego. E é justamente nesse ponto que integra o pilar – dignidade versus trabalho – como forma de devolver a autoestima do enfermo.

Assim, a perda do emprego já é, por si só, um evento que causa enorme dor, sofrimento e angústia ao trabalhador, notadamente em um país como é o Brasil, em que a recolocação no mercado é cada dia mais difícil e constitui-se em uma triste realidade, visto que são incontáveis os milhares de trabalhadores demitidos apenas na região serrana no último ano. E essa dor, angústia e sofrimento se elevam potencialmente quando a pessoa está doente, envolta em uma situação de completa insegurança e expectativa com relação à patologia de que padece.

De maneira que o poder potestativo do empregador de rescindir unilateralmente o contrato de trabalho encontra limites na hipótese de ato discriminatório, em observância a princípios constitucionais, como o da dignidade da pessoa humana e dos valores sociais do trabalho (artigo 1º, III e IV), compactuando, assim, com o entendimento exarado no TRT e no próprio TST, no sentido de que a dispensa motivada no fato de ser o empregado portador de doença grave, apresenta-se discriminatória, hábil a atrair a incidência das disposições contidas na Lei 9.029/95.

Nesse sentido, incide o exposto no artigo 4º, da Lei 9029/95, o qual expõe: “O rompimento da relação de trabalho por ato discriminatório, nos moldes desta Lei, além do direito à reparação pelo dano moral, faculta ao empregado optar entre: I – a reintegração com ressarcimento integral de todo o período de afastamento, mediante pagamento das remunerações devidas, corrigidas monetariamente e acrescidas de juros legais; II – a percepção, em dobro, da remuneração do período de afastamento, corrigida monetariamente e acrescida dos juros legais.”

De modo que dispensar o trabalhador de forma discriminatória possibilita a reintegração do mesmo com ressarcimento integral do período de afastamento, ou o recebimento em dobro da remuneração devida no período do afastamento, podendo ensejar ainda a reparação dos danos morais sofridos, já que a dispensa discriminatória causa ao trabalhador enorme frustração, sofrimento e angústia, por ocorrer em momento tão delicado de doença, quando mais precisaria de estabilidade financeira e psicológica, vê-se desempregado e, portanto, desamparado.

Publicado originalmente em: Jornal Informante (Farroupilha – RS), v. 421 e v. 422, fev. 2016.

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