Sobre a regulamentação do comércio eletrônico

Daniela Vasconcellos Gomes (OAB/RS 58.090)

Ainda que muitos defendam que o comércio eletrônico necessite de regulamentação específica, este é regulado pelas normas do Código de Defesa do Consumidor, do Código Civil, e ainda por regras da Lei de Introdução ao Código Civil, não havendo certeza acerca da real necessidade de regulamentação específica, já que a teoria geral dos contratos é aplicável a todos os contratos realizados, independentemente do meio utilizado.

Se cada meio utilizado para realizar contratos necessita de legislação específica, por que nunca se falou em legislação específica para contratos efetuados por meio de telefone, de programas televisivos, de catálogos ou afins? Se todos são contratos realizados a distância, fora do estabelecimento comercial, por que haveriam de ter tratamento diferenciado? Nesse sentido, é preciso questionar se tal desejo de legislação específica para cada situação fática não é um resquício do pensamento oitocentista, em que tudo deveria estar previsto pela codificação, o que acabou gerando a famigerada “inflação legislativa” presente em nosso ordenamento – o que causa somente incerteza jurídica, diante da quantidade de leis vigentes, muitas vezes conflitantes entre si.

Em relação ao comércio eletrônico, deve-se mencionar também a questão da manifestação da vontade, que alguns alegam que nas contratações realizadas por meio eletrônico ela não seria suficientemente demonstrada, mas é preciso considerar que, com exceção dos casos em que os contratos necessitam de formalidade especial, a vontade pode ser expressa de diversas formas, inclusive por meio eletrônico.

De modo que não é possível negar a realidade social, em que cada vez mais consumidores adquirem bens e serviços através da Internet. Se a Internet é apenas o meio pelo qual o contrato é realizado, e como visto, não há necessidade de haver legislação específica para cada meio de realização de contratos, não há porque negar a incidência do CDC aos chamados contratos eletrônicos.

Nesse sentido, alguns dos aspectos em que se percebe maior insatisfação em relação ao comércio eletrônico dizem respeito à clareza das informações, aos prazos de entrega e a possibilidade de devolução de produtos. No entanto, tais problemas normalmente deveriam ser solucionados com a aplicação do CDC, já que a informação adequada e a proteção contra a publicidade enganosa são direitos fundamentais do consumidor, e a devolução dos produtos pode ser realizada em razão do direito de arrependimento.

O Código de Defesa do Consumidor não trata de forma específica os contratos eletrônicos. No entanto, por se tratar de venda realizada fora do estabelecimento comercial, o consumidor pode exercer o direito de arrependimento, previsto no artigo 49 do CDC, e desistir do contrato no prazo de sete dias a contar de sua assinatura ou do recebimento do produto ou serviço.

Considerando que o Código de Defesa do Consumidor é uma lei essencialmente principiológica, a qual não regula especificamente nenhum contrato em espécie, mas é aplicável a todos os contratos realizados nas relações de consumo, independentemente de seu objeto, resta claro que os chamados contratos eletrônicos são regidos pelo CDC, e muitos dos problemas enfrentados pelos consumidores nas contratações realizadas via Internet deveriam ser resolvidos com a efetiva aplicação da legislação consumerista.

No entanto, percebe-se que os consumidores ainda não se encontram totalmente protegidos, havendo necessidade de uma proteção legislativa ainda mais eficiente nas contratações realizadas por meio eletrônico. Em tais relações o consumidor pode se tornar ainda mais vulnerável, já que estará contratando sem estar diante do fornecedor de produtos ou serviços, o que pode resultar em maior dificuldade de obter todas as informações necessárias, ou de outras circunstâncias que impeçam que sua vontade seja manifestada de forma consciente e livre.

De modo que se percebe a importância da efetiva proteção do consumidor também nos contratos realizados por meio eletrônico, já que de acordo com a diretriz do Ministério da Justiça para o comércio eletrônico, “deve-se assegurar aos consumidores do comércio eletrônico uma proteção transparente, eficaz e, no mínimo, equivalente àquela garantida nas demais formas de comércio tradicional”.

 

Publicado originalmente em: Jornal Informante (Farroupilha – RS), v. 227, jun. 2012.

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